terça-feira, 7 de maio de 2013

Cor de Tempo

Ele abriu a velha caixa de fotografias que ficava guardada embaixo da cama. Como suas pernas, o papelão estava manchado pelo tempo e, como seus cabelos, deixava rastros sobre o lençol. As fotos eram como uma estrada capaz de percorrer o tempo ao invés do espaço. Retiradas uma a uma ou em pequenas pilhas, elas iam perdendo a cor, a definição, e até mesmo pedaços. Mais ou menos no meio do caminho, ele encontrou o que queria.
Os retratos estavam ainda inteiros, perfeitamente visíveis, embora tivessem adquirido a tonalidade típica dos momentos que ficam para trás. Bem em cima, um rapazote de vinte e poucos anos posava diante de um imponente edifício, coberto pela coloração amarela do passado. Um reflexo dos dentes, das unhas e das marcas de injeção da figura enrugada sobre a cama, que parecia tão ousada e composta na antiga fotografia, com seu uniforme do tiro de guerra.
Os dedos constantemente trêmulos acariciaram o rosto do rapaz, que era e não era mais – era passado e presente ao mesmo tempo. Com passinhos curtos, ele levou o retrato até uma outra figura enrugada, sentada em uma cadeira de balanço, coberta por um xale florido.
- Aqui: uma foto do seu noivo.
- É velha.
- Não é, não. É nova. É do seu noivo.
- Está amarela.
- É efeito. Desses que a garotada gosta.
A mão magra e coberta por ondinhas saiu de baixo do xale e tomou com cuidado a fotografia das mãos daquele homem desconhecido. Um sorriso se acendeu no rosto daquela mulher, que ele conhecia tão bem. E os dois fitaram com afeto as feições sorridentes de seus amados, cada um preso em sua própria época.

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