quarta-feira, 11 de setembro de 2013

As máscaras, a sua avó e o repórter da GloboNews


Hoje, dia 10 de setembro de 2013, a Alerj aprovou a tal lei que proíbe o uso de máscaras em manifestações no Estado do Rio de Janeiro. É uma lei burra, antidemocrática e inconstitucional, feita de acordo com os interesses de parlamentares interessados em intimidar a população e dificultar a participação em atos públicos: máscaras, afinal, servem tanto como proteção para pessoas que não querem sufocar com spray de pimenta nem ir para a cadeia por motivos arbitrários quanto como uma forma engraçadinha de protestar. Na última grande manifestação realizada no Rio, por exemplo, não era raro encontrar máscaras de papel com a cara do governador Sérgio Cabral.
O ato em questão é o Grito dos Excluídos, que acontece anualmente no feriado de 7 de setembro, em várias cidades brasileiras. Foi a minha primeira vez lá, logo, não posso julgar o Grito de 2013 em comparação com os dos outros anos, mas achei bacana. Tinha bastante gente e espaço para as incontáveis demandas de sindicatos e movimentos sociais. Entretanto, a movimentação estava um pouco difusa e discursos mais bem definidos acabavam ofuscados por palavras de ordem chiclete, mas muitas vezes vazias. A polícia foi exemplar, como sempre, espalhando bombas e gás por todos os lados, inclusive na estação de metrô da Central. Um amiga com quem combinei de me encontrar sentiu o cheiro de pimenta dentro do vagão, pouco depois da PM ter impedido a entrada de manifestantes na tradicional parada das instituições militares, que nosso passado e presente mostram que são d-i-g-n-í-s-s-i-m-a-s de desfilar de cabeça erguida. E aí, depois que eu já tinha ido embora, aconteceu um outro problema, agora por culpa de um grupo de manifestantes: Júlio Molica, um repórter da GloboNews, foi identificado por um “ninja” e expulso do protesto sob xingamentos e pancadas. Tem vídeo pra quem duvida. Alguns queriam apagar do celular as imagens que ele havia feito. A situação só não ficou mais feia porque o rapaz foi tirado do meio da multidão por um segurança da emissora, que o acompanhava à distância, com a ajuda de um sindicalista e três advogados da OAB. Também fiquei sabendo disso tudo hoje, através do ótimo texto da professoraSylvia Moretzsohn no Observatório da Imprensa.
E daí eu fiquei confusa. Porque se antes eu queria escrever algo sobre a então potencial aprovação da lei, depois de ler sobre o repórter da GloboNews minha vontade passou a ser a de passar um sermão nessa gente que se acha super esclarecida, mas não entende o básico do funcionamento do capitalismo. Pra resolver o problema, aqui vão meus pitacos sobre os dois assuntos, que talvez não tenham tanto em comum além do contexto político em que se deram.
Vamos começar pelo menino da GloboNews, que, segundo o desinfeliz da Mídia NINJA, estava lá arriscando a vida pela Globo e por uma materiazinha. Pois bem, eu nunca gostei muito desse grito de “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”. Volta e meia virava para o meu namorado e fazia uma graçolice do tipo “mas a Band e o Casoy tão de boa” ou “a verdade é dura, a sua avó apoiou a ditadura”. Mas vai lá, eu entendo: as Organizações Globo são um símbolo, tanto do apoio irrestrito do empresariado e de parte da sociedade civil a um dos períodos mais traumáticos da história do Brasil quanto do monopólio da comunicação no país. E, realmente, devido ao seu poder, ela teve um papel muito mais significativo no apoio aos militares e encheu muito mais o bolso do que velhinhos e velhinhas da classe média que aproveitaram o milagre econômico para comprar um carro e mandar os filhos pros Estados Unidos. Porém, é muito fácil essa rejeição ao padrão Globo de jornalismo virar um ataque aos profissionais da empresa. E não estou falando do William Bonner, que é manda-chuva e ganha uma surra de dinheiro, mas de um repórter quase desconhecido que vai para a rua cobrir passeata pelo Skype. Já tinha visto isso acontecer outras vezes e era só uma questão de tempo para que os gritos de “pela-saco” e “ei, Globo, vai tomar no cu” escalassem para a violência física. Só que, meus queridos, a Globo pode ser escrota o quanto for, mas empregado não é igual a patrão. Se fosse, teríamos todos ido fazer escracho na porta do trocador quando a passagem aumentou, não é mesmo? O nosso sistema econômico funciona a partir da venda da força de trabalho, e todos tem contas para pagar.
Então chegamos em um outro ponto do vídeo da Mídia NINJA, que me foi apontado por uma amiga: a insistência do sujeito responsável pela gravação em chamar Molica de ninja ao invés de repórter. É, como disse essa minha amiga, uma forma de se aproveitar da situação para dar visibilidade para a marca, controlada pelo no mínimo polêmico Fora do Eixo, que, por sua vez, é controlado pelo no mínimo questionável Fábio Capilé. Mas, além disso, é também uma forma de alinhar o trabalhador à identidade ideológica da empresa. Mesmo que o rapaz da Mídia NINJA não saiba, ao chamar o repórter da GloboNews de ninja, ele apaga sua identidade como jornalista, como profissional. O repórter se torna um agente secreto, voluntariamente a serviço de uma série de posições políticas. E, se você se identifica com a ideologia da empresa e do sistema, ninguém precisa se preocupar se você está sendo explorado, não é mesmo? Não é mais do interesse de ninguém que você é mal pago, que se arrisca, que muitas vezes abandona suas próprias opiniões e que praticamente não tem escolha. Claro, você sempre pode morar nas cada vez mais criticadas casas do Fora do Eixo e ser pago em CuboCards, mas isso não parece uma alternativa assim tão agradável. Então, você tenta ganhar seu pão e crescer na profissão enquanto um monte de gente te ataca, achando que você é um avatar do Roberto Marinho.
E agora eu vou forçar a barra para criar um gancho para o próximo tópico: como dá pra ver no vídeo, muitas das pessoas que gritavam com Molica não usavam máscaras. A moral da história? Ninguém precisa de máscara para fazer merda. E nem todo mundo que usa máscara quer fazer merda. Em tempos de redes sociais, a máscara serve para que aqueles que estão na linha de frente consigam se proteger das ações de retaliação do governo e da polícia. Ninguém é anônimo: todos tem carteira de identidade, que pode ser requisitada a qualquer momento. Ao contrário da nossa polícia militar, que cobre a cara e esconde a identificação na hora de matar Amarildos e prender jovens por se organizarem para os protestos e por terem facas de pão em casa. A máscara também serve para proteger as vias respiratórias da d-e-l-i-c-i-o-s-a fragrância de pimenta com que a PM perfuma a cidade, que pode causar desde um simples incômodo até sufocamento. Ela também pode ser substituída por um lencinho, um casaco, uma camisa ou qualquer outro pedaço de pano que todos devem ter sempre à mão na hora de protestar. Mas isso não faz diferença para a lei proposta por dois deputados do PMDB. Lei que, como eu disse lá em cima, é inconstitucional: o legislativo estadual não pode tomar decisões no âmbito penal. Cabe ao governo federal decidir o que é crime e qual é a pena. Como se vê, ninguém precisa de máscara para fazer merda.