Hoje,
dia 10 de setembro de 2013,
a Alerj aprovou a tal lei que proíbe o uso de máscaras
em manifestações no Estado do Rio de Janeiro. É uma lei burra, antidemocrática
e inconstitucional, feita de acordo com os interesses de parlamentares
interessados em intimidar a população e dificultar a participação em atos
públicos: máscaras, afinal, servem tanto como proteção para pessoas que não
querem sufocar com spray de pimenta nem ir para a cadeia por motivos
arbitrários quanto como uma forma engraçadinha de protestar. Na última grande
manifestação realizada no Rio, por exemplo, não era raro encontrar máscaras de
papel com a cara do governador Sérgio Cabral.
O
ato em questão é o Grito dos Excluídos, que acontece anualmente no feriado de 7
de setembro, em várias cidades brasileiras. Foi a minha primeira vez lá, logo,
não posso julgar o Grito de 2013 em comparação com os dos outros anos, mas achei
bacana. Tinha bastante gente e espaço para as incontáveis demandas de
sindicatos e movimentos sociais. Entretanto, a movimentação estava um pouco
difusa e discursos mais bem definidos acabavam ofuscados por palavras de ordem
chiclete, mas muitas vezes vazias. A polícia foi exemplar, como sempre,
espalhando bombas e gás por todos os lados, inclusive na estação de metrô da
Central. Um amiga com quem combinei de me encontrar sentiu o cheiro de pimenta
dentro do vagão, pouco depois da PM ter impedido a entrada de manifestantes na
tradicional parada das instituições militares, que nosso passado e presente
mostram que são d-i-g-n-í-s-s-i-m-a-s de desfilar de cabeça erguida. E aí,
depois que eu já tinha ido embora, aconteceu um outro problema, agora por culpa de um grupo de manifestantes: Júlio Molica, um repórter
da GloboNews, foi identificado por um “ninja” e expulso do protesto sob
xingamentos e pancadas. Tem vídeo pra quem duvida. Alguns queriam apagar do
celular as imagens que ele havia feito. A situação só não ficou mais feia
porque o rapaz foi tirado do meio da multidão por um segurança da emissora, que
o acompanhava à distância, com a ajuda de um sindicalista e três advogados da
OAB. Também fiquei sabendo disso tudo hoje, através do ótimo texto da professoraSylvia Moretzsohn no Observatório da Imprensa.
E
daí eu fiquei confusa. Porque se antes eu queria escrever algo sobre a então
potencial aprovação da lei, depois de ler sobre o repórter da GloboNews minha
vontade passou a ser a de passar um sermão nessa gente que se acha super
esclarecida, mas não entende o básico do funcionamento do capitalismo. Pra
resolver o problema, aqui vão meus pitacos sobre os dois assuntos, que talvez
não tenham tanto em comum além do contexto político em que se deram.
Vamos
começar pelo menino da GloboNews, que, segundo o desinfeliz da Mídia NINJA,
estava lá arriscando a vida pela Globo e por uma materiazinha. Pois bem, eu
nunca gostei muito desse grito de “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a
ditadura”. Volta e meia virava para o meu namorado e fazia uma graçolice do
tipo “mas a Band e o Casoy tão de boa” ou “a verdade é dura, a sua avó apoiou a
ditadura”. Mas vai lá, eu entendo: as Organizações Globo são um símbolo, tanto
do apoio irrestrito do empresariado e de parte da sociedade civil a um dos
períodos mais traumáticos da história do Brasil quanto do monopólio da
comunicação no país. E, realmente, devido ao seu poder, ela teve um papel muito
mais significativo no apoio aos militares e encheu muito mais o bolso do que
velhinhos e velhinhas da classe média que aproveitaram o milagre econômico para
comprar um carro e mandar os filhos pros Estados Unidos. Porém, é muito fácil
essa rejeição ao padrão Globo de jornalismo virar um ataque aos profissionais
da empresa. E não estou falando do William Bonner, que é manda-chuva e ganha
uma surra de dinheiro, mas de um repórter quase desconhecido que vai para a rua cobrir passeata pelo Skype. Já tinha
visto isso acontecer outras vezes e era só uma questão de tempo para que os
gritos de “pela-saco” e “ei, Globo, vai tomar no cu” escalassem para a
violência física. Só que, meus queridos, a Globo pode ser escrota o quanto for,
mas empregado não é igual a patrão. Se fosse, teríamos todos ido fazer escracho
na porta do trocador quando a passagem aumentou, não é mesmo? O nosso sistema
econômico funciona a partir da venda da força de trabalho, e todos tem contas
para pagar.
Então
chegamos em um outro ponto do vídeo da Mídia NINJA, que me foi apontado por uma
amiga: a insistência do sujeito responsável pela gravação em chamar Molica de ninja ao invés de repórter. É, como disse essa minha
amiga, uma forma de se aproveitar da situação para dar visibilidade para a
marca, controlada pelo no mínimo polêmico Fora do Eixo, que, por sua vez, é
controlado pelo no mínimo questionável Fábio Capilé. Mas, além disso, é também
uma forma de alinhar o trabalhador à identidade ideológica da empresa. Mesmo que o rapaz da Mídia NINJA não saiba, ao chamar o repórter da
GloboNews de ninja, ele apaga sua identidade como jornalista, como
profissional. O repórter se torna um agente secreto, voluntariamente a serviço
de uma série de posições políticas. E, se você se identifica com a ideologia da
empresa e do sistema, ninguém precisa se preocupar se você está sendo
explorado, não é mesmo? Não é mais do interesse de ninguém que você é mal pago,
que se arrisca, que muitas vezes abandona suas próprias opiniões e que praticamente não tem escolha. Claro, você sempre pode morar nas cada vez mais
criticadas casas do Fora do Eixo e ser pago em CuboCards, mas isso não parece
uma alternativa assim tão agradável. Então, você tenta ganhar seu pão e crescer
na profissão enquanto um monte de gente te ataca, achando que você é um avatar
do Roberto Marinho.
E
agora eu vou forçar a barra para criar um gancho para o próximo tópico: como dá
pra ver no vídeo, muitas das pessoas que gritavam com Molica não
usavam máscaras. A moral da história? Ninguém precisa de máscara para fazer
merda. E nem todo mundo que usa máscara quer fazer merda. Em tempos de redes
sociais, a máscara serve para que aqueles que estão na linha de frente consigam
se proteger das ações de retaliação do governo e da polícia. Ninguém é anônimo:
todos tem carteira de identidade, que pode ser requisitada a qualquer momento.
Ao contrário da nossa polícia militar, que cobre a cara e esconde a
identificação na hora de matar Amarildos e prender jovens por se organizarem
para os protestos e por terem facas de pão em casa. A máscara também
serve para proteger as vias respiratórias da d-e-l-i-c-i-o-s-a fragrância de
pimenta com que a PM perfuma a cidade, que pode causar desde um simples incômodo
até sufocamento. Ela também pode ser substituída por um lencinho, um casaco,
uma camisa ou qualquer outro pedaço de pano que todos devem ter sempre à mão na
hora de protestar. Mas isso não faz diferença para a lei proposta por dois
deputados do PMDB. Lei que, como eu disse lá em cima, é inconstitucional: o legislativo
estadual não pode tomar decisões no âmbito penal. Cabe ao governo federal
decidir o que é crime e qual é a pena. Como se vê, ninguém precisa de máscara
para fazer merda.
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